domingo, 31 de janeiro de 2010

enTernecedor

Ando baralhado com a bondade súbita dos empresários portugueses. Depois do presidente do conselho de administração do grupo Jerónimo Martins, foi agora a vez do patrão da Sonae assumir a benevolência: “Para se ter uma sociedade coesa, os trabalhadores têm de ser bem tratados, não se podem explorar”. A entrevista foi concedida a Cesaltina Pinto, da revista “Visão”, e eu acredito na jornalista.
A disputa em torno do altruísmo empresarial promete assim tornar-se aliciante: “Pingo Doce” vs. “Modelo” e “Continente”. Mas cheira-me a esturro.

sábado, 30 de janeiro de 2010

renDido

Hoje acordei com os “Virgem Suta” no ouvido e não paro de trautear os acordes da cantiga ao jeito daquela voz boémia do Jorge Benvinda. Esteticamente agrada-me o videoclipe e continuo a considerar estimulantes a provocação e a ironia desta e de outras estórias, ou a desconstrução da mensagem que elas representam. A técnica de animação – “stop motion”, sucessão de fotogramas com ilusão de movimento – revela o espírito imaginativo que o sarcasmo aqui não deixa esconder.

http://www.myspace.com/virgemsuta
Virgem Suta, “Tomo conta desta tua casa”
Universal, Junho 2009

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

viGiados

Parece que alguém decretou que todos somos suspeitos. Os dados ontem divulgados pela Comissão de Protecção de Dados são demenciais: o número de pedidos de autorização para instalar sistemas de videovigilância em Portugal cresceu de 67 casos no ano 2000 para 6.524 em 2009. A George Orwell não ocorreu tamanha criatividade (Big Brother is watching you): a devassa da privacidade a desfalecer para a restrição, esquizofrénica, dos direitos fundamentais. E continuamos contentes.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

showBiz

Foi curto o período de interregno entre a realização do filme anterior – “Call Girl”, 2007 – e o que hoje estreia nas salas de cinema, desta vez embrulhado com uma nova canção de Jorge Palma.
“A Bela e o Paparazzo” é a 9ª longa-metragem de António-Pedro Vasconcelos, depois de “Perdido por Cem...” (1973), “Adeus até ao meu regresso” (1974), “Oxalá” (1981), “O Lugar do Morto” (1984), “Aqui D'El-Rei” (1992), “Jaime” (1999), “Os Imortais” (2003) e “Call Girl” (2007).

António-Pedro Vasconcelos, Leiria, 1939
(António Pedro Saraiva de Barros e Vasconcelos)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

vaLentia

São medonhos e insondáveis os desígnios do homo lusitano (versão troglodita do macho neandertal) quando persiste em não entender que ninguém é propriedade de ninguém.
Vai já em três o número de mulheres executadas este ano pelos seus parceiros ou ex-companheiros. No ano passado foram 28. Se o mês de Janeiro terminar com estes registos, teremos a interessantíssima – e cobiçada – média de um assassinato em cada 10 dias. Estamos loucos?

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

viTalidade

O “Homem mais Sexy da América”, despido e eloquentemente foto-grafado pela “Cosmopolitan” em 1982, acaba de ser eleito para o Senado dos EUA. Segundo o DN, Scott Brown “defende a tortura, bate-se pela expulsão dos imigrantes ilegais e nem sequer quer ouvir falar em aquecimento global”. Em 28 anos, o conceito de globalização do factor térmico alterou-se substancialmente para o jovem senador...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

sinCronia

Está enfim identificado o tipo de candidato mais audacioso que Sócrates em competições eleitorais. O primeiro-ministro português acenou em 2005 com 150 mil novos empregos mas o presidente do Chile, agora eleito, asseverou na campanha eleitoral que criaria um milhão de postos de trabalho.
Numa antevisão de sincronia irrepreensível entre a coreografia das promessas e a cadência musical do mandato, vale a pena ver a reedição do clássico “Thriller” de Michael Jackson, emitido pela televisão chilena dois dias antes das eleições. Sebastián Piñera, entre bailarinos profissionais, no seu melhor.

El Hormiguero, Canal 13
ChileTeVe 15.01.2010, Sebastián Piñera
[ver também aqui]

domingo, 24 de janeiro de 2010

reAbilitação

Afinal a Coca-Cola não é o demónio de que se fala. Segundo a Agência Lusa, o último sobrevivente retirado ontem dos escombros de Port au Prince explicou, ao ser resgatado, que conseguiu sobreviver tanto tempo por ter bebido “Coca-Cola todos os dias”. Os fanáticos do politicamente correcto, obcecados pela tirania "macrobiótica” da abstinência e do ramadão alimentar, não terão apreciado por aí além as revelações de Wismond Exantus, ainda que proferidas em crioulo. Mas eu gostei.

Imagem: poster publicitário, EUA, 1900

conCorrência

Ao 8º dia decidi mudar de ares e parti (ontem) para a criação de um novo blogue, onde estou tentado a prolongar a experiência. O nome não é sequer sugestivo – arte_facto [hereges perversões] –, mas a intenção é modelada em torno de uma área que me apetece explorar – a da expressão plástica e das artes performativas. A ver no que dá.

sábado, 23 de janeiro de 2010

charMe

Precisamente há três anos, em Janeiro de 2007, a mesma “IN New York” publicava numa das páginas interiores este registo de Scarlett Johansson, ainda sem photoshop, acompanhada por quem haveria de a dirigir no ano seguinte em “Vicky Cristina Barcelona”. Ambos saboreavam o sucesso europeu de “Match Point”.
De que rosto gostamos mais? Qual deles é o mais genuíno (este ou o anterior)? Há inocência neste olhar? Não interessa. Todos gostamos de saber que a sua vida ficou definida ao nascer, quando o nome lhe foi atribuído em homenagem à protagonista de “Gone with the Wind” (E tudo o vento levou): Scarlett O’Hara, interpretada por Vivien Leigh. Ou que, na tradução portuguesa, o seu primeiro filme não poderia ter beneficiado de designação mais sugestiva – “O Anjo da Guarda” –, já para não falar no da película que lhe sucedeu – a da consagração, “Just Cause”–, realizados respectivamente por Rob Reiner (1994) e Arne Glimcher (1995).
Depois do leilão no eBay, continuaremos a vê-la por aí, provavel-mente ainda mais clean, sob os auspícios da Mango, da Dolce & Gabbana, ou da Louis Vuitton. Para que conste.

Woody Allen, Nova Iorque, 1935
(Allan Stewart Königsberg)

phoToshop

Porque se fixa em nós este rosto? A edição de Janeiro da ”IN New York” dedica-lhe a capa mas não esclarece qual o poder de atracção que o glamour da foto sugere aos leitores inadvertidos (e aos outros). Dir-se-á que é difícil ficar indiferente a este olhar, não fosse ele próprio uma ameaça de flirt.
Nos quiosques, a relação é dúbia entre a sedução do expositor, deliberadamente provocante, e o cliente que folheia tudo em que vai tropeçando antes de comprar o jornal do dia. Ainda hoje vi esta mulher a dois palmos do “Público”, em conluio quase indecoroso com a primeira página do “DN”.
Scarlett I. Johansson, Nova Iorque, 1984

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

aLucinação

“Fala-se muito em Portugal que (...) pagamos salários caros e não sei quê… Treta. Treta!”. A frase não é de nenhum sindicalista, nem de qualquer dirigente do Bloco de Esquerda. Num almoço-debate promovido pela Câmara do Comércio e Industria Luso-Alemã, realizado ontem em Lisboa, o presidente do conselho de administração do grupo Jerónimo Martins realçou que a crise não pode servir de desculpa.
Confiando na veracidade das declarações registadas pelo repórter da Antena 1, Vítor Rodrigues Oliveira, o empresário Soares dos Santos não se engasgou ao afirmar, à mesa, que são precisos melhores salários. E concluiu: “Paga-se mal e não se pode exigir a pessoas que ganham pouco mais que o salário mínimo (...) que vão trabalhar com gosto, nem se lhes pode exigir sacrifícios.”
Quem fala assim não é gago. Nem anda distraído.

CCILA, Lisboa 21.01.2010 Antena 1
Declarações de Alexandre Soares dos Santos
[ver aqui]

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

exCitação

Poema XL

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

"O Guardador de Rebanhos", 1914
Alberto Caeiro

Fernando António Nogueira Pessoa, 1888-1935

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

exPectativas

Premonitoriamente, no dia 3 de Outubro de 2008 – ainda antes da eleição para a Casa Branca –, o estilista francês Jean-Charles de Castelbajac fazia desfilar no Carrousel do Louvre, em Paris, o rosto do Presidente acoplado a um vestido amarelo, numa passerelle em fundo azul repleta de nuvens.
Por entre as representações de Mickey, Pluto e divertidas peças de Lego, a presença de Barack Obama dava os primeiros sinais na estratosfera. Nas costas do vestido podia ler-se: “I have a dream today”. Um cenário idílico.

Carrousel du Louvre, Salle Delorme
Eté 2009, " JC in te sky with diamonds"

[ver também aqui]

aNiversário

Thomas Mann, da Brookings Institution: “Se a economia melhorar, e o país não estiver atolado na guerra do Afeganistão, a opinião pública vai recuperar o sentimento de optimismo e previsivelmente Obama terá a reeleição garantida em 2010”. Parafraseando James Carville, na campanha de Clinton em 1992, “É a economia, estúpido”!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

haiTi

Foi precisamente há uma semana. Digerido o pesadelo inicial, o mundo desabou sobre as ruínas: Olívia Wilde, a jovem médica Thirteen da séria “Dr. House”, fez saber nos Globos de Ouro que iria doar o seu vestido para um leilão “em benefício dos esforços de resgate”. A Gucci agradeceu.

diFerença

Se outro benefício não tem assinalado a intervenção humanitária em Port au Prince – ao amaciar os escombros, a dor e a miséria que a memória dificilmente apagará –, a disponibilidade dos verdadeiros voluntários faz a diferença. E ensinou-nos que a tragédia se torna menos desumana sempre que é possível reinventar a capacidade de dar sem esperar nada em troca.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

desForra

O bastonário da Ordem dos Advogados declarou ontem, em artigo publicado no JN, que, “em geral, as vítimas de crimes não querem justiça, mas antes vingar-se dos criminosos. Sempre fora assim (…)”.
Ah! pensava que ainda ninguém tinha reparado. O “vampirismo mediático” das televisões, de que fala Marinho e Pinto, precisa deste sangue para se alimentar. O fundamentalismo justiceiro dos telespectadores faz o resto.

domingo, 17 de janeiro de 2010

enCantamento

Nunca irei saber porque gosto desta mulher que nos olha de frente. Do brinco não é, que me não atrai o pechisbeque, mas há qualquer coisa de misterioso neste olhar que se perpetua de cada vez que a ele regressamos.
Consta que não tinha furo esta orelha, nem a ostentação da jóia condizia com o estatuto da retratada, mas o silêncio mantém a inocência de quem ali permanece e nos observa.
Teria 18 anos, dizem. Talvez 19 ou 20. Do brinco de pérola ficaram-lhe as cicatrizes do momento em que, por instantes, se sentiu elevada à condição de musa. Ou de deusa.

Vermeer, Johannes van der Meer 1632-1675
Rapariga com brinco de pérola, pormenor
Meisje met de parel (c.1665), óleo sobre tela 44,5 x 39 cm
Mauritshuis, Den Haag, Holanda

jusTificação

Ontem esqueci-me: quis chamar a este blogue “ex-periência”, mas o nome não estava disponível.
De improviso “ténue” fica bem. Tendo algo de efémero, tem a ver com debilidade, insegurança, inquietação. De passagem. Fugaz como o nevoeiro.

sábado, 16 de janeiro de 2010

exPeriência

Adoro o prefixo. A ideia da separação das palavras, aliada à constatação de que já fomos qualquer coisa – ex-padre, ex-ministro, ex-meretriz –, agrada-me. Mas só é possível autonomizar o par de letrinhas quando as fazemos acompanhar por um substantivo, o que torna a gramática injusta. (Para confirmar, dizem-me, “ex-líbris” é ele próprio um substantivo, do latim 'de entre os livros'.)
Gosto de imaginar que o inverso de exterminar tivesse sido começar, tal como o contrário de extinto pudesse vir a ser actualbranco, mas apetecem-me duas palavras: “expediente” e “expedição” – ambas começam por ex. Adopto os termos como patronos do blogue.

Expediente – solução precária, subterfúgio (do latim expediente, de expedire, ‘libertar, desembaraçar’)

Expedição – acto de expedir, viagem de exploração a uma região distante (do latim expeditione)

Ou ainda, por (quase) paronímia: ex+per(r)dição

que o mesmo é dizer "perdição" – acto ou efeito de perder-se, desonra, imoralidade (do latim perditione).

Que tudo isto seja então uma perditione.

aPresentação

As instruções anunciam:
Criar um blogue > Saiba mais > Faça uma visita rápida
Fui ver. Segundo a introdução do manual, “a forma mais rápida de compreender a criação de blogues é experimentar”. Declaro, no entanto, ser este um mero ritual iniciático que visa contornar o cepticismo de quem ainda não foi capaz de ficar deslumbrado com a existência – e a utilidade – de Deus e dos Blogues. “O que acontecerá a seguir?”, remata o parágrafo, sentenciando logo de imediato: “Ninguém sabe. Mas pode ser divertido." Concluo eu: sim, pode ser divertido. Ou não.